segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O Lobisomem da Rua 2


A casa - hoje com a fachada modificada - onde viveu o suposto Lobisomem.


Esta história é verídica! Pelo menos as pessoas que a contaram - e algumas delas como testemunhas - são pessoas de credibilidade. Eu mesma não vi nada e nem podia: era apenas uma criança. Mas ouvia os adultos comentando preocupados toda vez que o Lobisomem da Rua Dois aparecia.

Mas, se alguém ainda duvidar deste relato, pode procurar os moradores mais antigos da rua que ainda vivem lá.

Engana-se quem pensa que para a aparição do Lobisomem acontecer era preciso esperar as noites de Lua cheia ou se armar com revólveres de balas de prata. Bastava ser noite e ele surgia quando menos se esperava...

Haviam aqueles que apenas ouviam os sons na noite e concluíam que ele estava perambulando pela rua. Um uivo agudo misturava-se aos latidos dos cães agitados. Naquela época, todo mundo tinha ao menos um cão. As ruas de terra, pois o asfalto ainda não havia chegado ali. Muitos terrenos ainda sem proprietários onde o mato crescia livre. As casas com cercas eram poucas e apenas serviam de ornamento na frente das casas como um modo de delimitar até onde era o quintal e onde começava a rua... Os muros ainda não eram muito usados - apenas em casas de famílias com poder aquisitivo maior. Para ir na casa de um vizinho não era preciso chegar primeiramente à rua: cortava se caminho pelos quintais sem nenhum obstáculo entre eles. Por isso, todos os cães saiam de seus abrigos de encontro daquele ser. Aqueles que se atreviam - ou tinham um pouco mais de coragem - e olhavam pelas frestas das janelas, contavam que os cães agitavam-se e pulavam ao redor do ser que se comportava como se quisesse arrancar a própria pele... Ele se contorcia como se seu corpo estivesse ardendo em brasas! Arrancava toda a roupa, rasgando-a em retalhos e ficava nu. Depois saia correndo com os cães, como que em seu próprio bando, com a coluna brutalmente arqueada para frente e de quatro,  sem perder as características humanas. Em noites nubladas nada de certo podia ser dito. Nas noites de Lua cheia a luz da Lua era intensa e revelava detalhes surpreendentes!

Os boatos e desconfianças sobre o Lobisomem ganhavam mais forças com certos detalhes supersticiosos  a casa do homem que muitos afirmavam ser o Lobisomem ficava justamente em uma encruzilhada. A Rua Dois passava enfrente a casa do homem e uma terceira rua - travessa da Rua Dois - era uma subida bem diante da casa. O suposto morador era o primeiro proprietário do imóvel... Uma casa de aparência sinistra, bem abaixo do nível da rua, sem movimentação de seus habitantes, sem os sons de uma rotina familiar como toda casa costuma ter. O homem tinha feições grosseiras, era muito sério e não falava com ninguém. Passava como se não existisse mais ninguém no mundo além dele. Em um tempo onde todo mundo sabia quem era todo mundo, ninguém sabia nem o nome do homem.

Meu pai sempre repete a mesma história... Ele foi uma das testemunhas! Trabalhava em uma empresa como Torneiro Mecânico e seus serviços eram sempre requisitados. Metalúrgico, acontecia que ele não tinha data certa para folgas nem horário certo para sair do trabalho. Naquela noite o conserto de uma máquina levou muito mais tempo que o esperado e passou a noite consertando-a. Pensou em dormir ali mesmo no trabalho para estar no horário certo no outro dia, mas resolveu passar em casa para certificar-se que tudo estava bem. Era um fim de madrugada com muita névoa quando ele chegou na esquina da Rua Dois e de onde já podia avistar aquele bando de cães histéricos e o que ele achava ser um homem se contorcendo.

Preocupado acreditando que algum vizinho seguia para o trabalho e estava sendo atacado pelos cães, aproximou-se armado de um pedaço de pau que encontrou jogado. Alguns passos antes de se aproximar viu o rosto do homem se voltando em sua direção revelando um semblante distorcido e aterrorizante. O homem começou a uivar e ao se contorcer revelou estar nu. 

Meu pai assustado afastou-se - sem deixar de observar - e deu a volta  o máximo possível para poder seguir seu caminho. Entrou em casa assustado acordando a todos contando o ocorrido. 

Naquele mesmo mês, visitávamos uma amiga de minha mãe - Mira -  que morava na rua debaixo a Rua Dois. Ela se encontrava muito assustada, contando um episódio que acontecera na noite passada. 

Ela possuí até hoje nos fundos da casa um quintal lateral. Atrás deste quintal há um salão que sempre serviu para alugar para pequenos comerciantes. Ao lado, a janela da cozinha se destaca. Do lado oposto um muro alto. E de frente  um corredor - em parte coberto de telhas -  onde era uma varanda. Portanto, dificilmente alguém de fora tinha acesso a este espaço. Principalmente naquela época que o quintal foi cercado - como uma gaiola gigantesca - por alambrados espessos para que ali fossem criados gansos. O espaço foi coberto apenas por alambrados na parte superior, sem telhas. Os gansos possuíam um abrigo onde podiam se proteger da chuva, do sol ou dormir.

Naquela noite toda a casa acordou com o barulho ensurdecedor dos gansos. Eles davam aqueles gritos estridentes e estavam agitados. Mira levantou-se e se dirigiu a cozinha com a intenção de observar o que estava acontecendo pela janela com vista para o criadouro. Ao acender a luz e antes de alcançar a janela, ouviu batidas fortes na porta que levava ao corredor externo. Ouviu os gritos da vizinha de trás, pedindo para que ninguém saísse e avisando que os gansos estavam sendo atacados. O grito daquela mulher era carregado de pavor e todos temeram sair e até olhar pela janela.

Só quando o dia amanheceu e se certificaram que nenhum som mais se ouvia, saíram para o corredor para ver os gansos. Todos eles estavam mortos, alguns com mordidas no pescoço e sem nenhum vestígio de sangue! Outros sem a cabeça. Imaginaram que um bando de gatos ou algum outro animal tivesse encontrado um modo de passar pelo alambrado e atacar os gansos. Este pensamento de imediato parece ser o mais lógico e racional. Mas, ao procurar um lugar onde um animal pudesse passar nada encontraram. Não havia como os gansos saírem muito menos um animal entrar.Então, logo pensaram que por alguma razão a vizinha de trás matou as aves. Foram até ela interrogá-la e ela parecia em choque. 

Contava que ao ouvir o barulho dos gansos, correu para a janela para ver o que acontecia. Viu um homem segurando um ganso pelo pescoço e o chacoalhar suspenso no ar. Achou que estava muito sonolenta e escuro demais para crer que estava vendo um monstro matando os gansos. Pois a postura do homem era estranha, ele ás vezes virava seu rosto para o céu e uivava, grunhia feito um bicho. Ela se apavorou, não sabia mais o que estava vendo. Saiu correndo pelo quintal, pegou o bambu que servia para apoiar o varal de roupas e voltou para dentro da casa trancando-se e através da mesma janela,  usou o bambu para bater na porta e chamá-los mas, não sabia o que lhes dizer.

A polícia foi chamada. Desacreditaram da versão da vizinha mas ela não podia ter alcançado todos os gansos com um bambu que tinha comprimento suficiente para ser empunhado e alcançar a porta, não o quintal lateral. Observaram as marcas no pescoço das aves e procuraram por algum lugar onde um animal pudesse ter entrado. Concluíram ser cão pelo tipo de mordida. Estranharam porque um cão - diferente de gatos - não teria como escalar muros, telhados, muito menos um corpo maleável para passar por possíveis frestas dos alambrados. Foram embora dizendo apenas que foi um cão e nada podia ser feito a respeito. Naquele tempo a polícia era prática e inquestionável assim...

No fundo, todo mundo achava a mesma coisa mas ninguém tinha coragem de dizer... Coincidência ou não, ao lado da mulher que bateu na porta com o bambu morava o suposto Lobisomem... 

 Logo após o episódio, o homem carrancudo da encruzilhada-  apontado como o Lobisomem - mudou-se durante a noite quando todos dormiam, talvez para não ser visto ou questionado. Depois de um bom tempo, a casa foi comprada por um casal as vésperas do casamento. Uma atmosfera estranha e horripilante era sentida ali, mesmo com toda a decoração e capricho de recém casados. 

Até hoje não houve explicação para a morte dos gansos, nem tão pouco da visão do homem nu se contorcendo na rua.


A encruzilhada - hoje asfaltada - onde muitos presenciaram as transformações do 
Lobisomem rodeado de cães.