quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A Rua 2 entrando na nossa história!


"Fotos nos fazem relembrar tantas coisas! Quantas vezes arrastei a cadeira com sacrifício para tentar alcançar o calendário na parede. Calendários, imagens de santos, ferraduras e cabaças: refletiam superstições e a disciplinada contagem dos dias. Festa de criança tinha bebida alcoólica porque os homens aproveitavam sempre as festas pra 'encher a cara'. Um vaso de planta no armário... Uma Avenca que acredito que seja a mesma que ainda está lá na casa onde nasci. Essa Avenca tem história!"


Minha mãe morava com a família em um sobrado onde hoje está a distribuidora da Brahma, onde hoje se estende a avenida principal. Naquela época era a rua central, caminho que ligava um bairro ao outro e onde o comércio de instalava e se instala até hoje. Vieram do 'interiorzão' de Guararapes depois que parte da família de meu avô se instalou na Vila das Belezas. Em algum lugar por ali havia uma vizinha onde ela ia muito. Ao lado da casa desta vizinha, um quartinho era alugado para um rapaz solteiro que sempre notava minha mãe chegando, através do muro de tijolos vazados. O tal rapaz era meu pai.

Namoraram, de início escondido do meu avô, porque japoneses não aprovavam a mistura de raças. Para meu avô, seus filhos deveriam unir-se a pessoas com a mesma descendência. O excesso de disciplina não adiantou muito: seus seis filhos casaram-se com brasileiros.

Diz meu pai até hoje que quando olhou para minha mãe a primeira vez sentiu amor! Ficou encantando por ela ser tão linda! Enquanto estavam apenas de flerte, ele pensava que ela seria uma boa esposa por causa de sua descendência que cultiva valores muito nobres. Acreditou que ela deveria ser prendada, trabalhadora, esforçada, doce, delicada, seria uma boa mãe e boa esposa. E foi!

Namoraram enquanto esperavam meu avô enfim aprovar o relacionamento deles. Mas minha mãe acabou ficando grávida. De quem? Eu mesma que já queria aparecer na história! 

Quando meu avô soube, expulsou minha mãe de casa. Ela não teve direito nem de levar o enxoval que já fazia há um bom tempo. Um baú com tudo o que ela guardava para seu casamento com meu pai não pode ser levado consigo. A única coisa que conseguiu levar foi um endredon - ou como a família dela chava, futton - e que passou a ser usado por mim depois que nasci. Fui crescendo arrastando aquilo tudo de um lado para o outro. Só dormia enrolada nele.

Expulsa de casa não houve outra alternativa: meu pai levou minha mãe para o tal quartinho onde vivia. Era um quarto típico de rapaz solteiro: com posters de mulheres lindas na parede, Tv, rádio, roupa pra todo lado e a desordem reinando. A primeira coisa que passou pela cabeça de minha mãe ao morar ali foi fazer uma bela de uma limpeza e deixar tudo com cara de quarto de casal.

É ai que entra a Rua Dois na nossa vida! (é, porque eu já estava fazendo parte da Da casa onde minha morava via-se aquele morro alto - quase montanha - diante de si. Ali era área de uma fazenda foi loteada em grande lotes de chácara e logo depois, loteados novamente em metros quadrados para residências. O loteamento criou ruas paralelas: a Rua 1,ás margens do córrego; a nossa Rua 2 e a Rua 3 que é uma travessa quase no meio da Rua 2. A importância da Rua 2 pra mim é que ela estava entre as outras duas e seus moradores eram ligados entre si seja por parentesco ou por amizade.

Meus tios, uns casados e outros pra casar, resolveram comprar um lote ali e meu pai também. Tio Valdemar escolheu um lote na Rua 1, tio Mário escolheu um lote vizinho de direita e meu pai escolheu o lote vizinho dos fundos, na Rua 2. Ás vezes, penso que meu pai tinha cisma com córregos e rios. Viu na sua infância e adolescência muito rio 'na cheia'. É a impressão que passa quando conta suas histórias, ainda mais porque sabemos que ele tem certo trauma de chuva. Na Rua 2 ele ficaria em um nível bem mais alto que o córrego.

Ele mesmo desenhou a planta da casa e começaram então a construir a casa com cozinha, um quarto e um banheiro interno - naquele tempo muitas casas tinham o banheiro do lado de fora, costumem que traziam da roça. Do lugar onde muitos vieram, não havia esgoto como na cidade. Nem água da torneira: água só puxando do poço.

Três meses antes de eu nascer meus pais se casaram no único cartório da região. Só soube que eu estava presente no evento porque desde criança cismava com as fotos do casamento. Perguntava pra minha mãe porque a barriga dela estava grande, embora ela usasse naquele dia um casaco largo e fechado com botões enormes, moda daquele tempo. 

Ali na Rua dois o casal se instalou. Três meses depois eu nasci e meus pais deixaram de ser apenas um casal e passou a ser família. Dois anos depois minha irmã nascia!

Recomeçando...


"Olhando assim eu sempre penso: estas casas sempre estiveram aqui! As mesmas casas e as mesmas famílias."


Antigamente era Rua Dois... Hoje o nome é outro, o nome de alguém que ninguém nunca conheceu nem tão pouco ouviu falar. 

Na Rua Dois muita gente nasceu, cresceu, fez outra família, teve filhos que crescem ali e ali terão seus filhos também. Muitos já não moram mais lá porque foram viver em outro lugar no além: Dona Hilda, 'Seu' Albino, 'Seu' Irineu e sua esposa, Dona Alice, 'Seu' Joaquim...  Mas seus filhos, netos ainda moram na mesma casa. Pessoas que escolheram aquele lugar pra viver e formar família e fincar raízes, diferente do que vemos hoje: as pessoas vivem mudando. Testemunhas e contadores de histórias ricas. 

Na época que contavam histórias eu era apenas uma criança em meio a roda de conversa dos adultos. 
Ouvia tudo fascinada, sem questionar se era verdade ou não. O que sabia é que era bom poder ouvir tudo aquilo e o modo com que contavam - tão cheios de entusiasmo e energia - deixava as histórias muito mais interessantes.

Histórias que - assim como os moradores da Rua Dois - fincaram raízes na minha memória. Histórias de espíritos, assombrações de vida e de morte.

Hoje recomeço as Crônicas da Rua 2 de um modo diferente. Vou deixar a estória fictícia de lado e tentar reproduzir tudo o que vi e ouvi. Talvez, em uma história ou outra eu mude apenas os nomes e não me preocuparei em colocar datas exatas porque não lembro das ordens dos acontecimentos.