terça-feira, 16 de agosto de 2011

Introdução -A Rua 2

Árvore às margens do córrego paralelo a Rua Prof. Paulo Assis Ribeiro: minha certeza é que está ali a mais de 40 anos e sobrevive as mudanças, mas deve existir a muito mais tempo.




A palavra capão designa um bosque em meio a um descampado. O bairro de Capão Redondo ganhou este nome por causa de um bosque de Araucárias que unidas formavam um grande círculo perfeito com cerca de 50 quilômetros de circunferência. Mas de descampado não há nada. Admirando o bairro das áreas mais altas, passei a chamá-la de Grande Bacia, pois esta parece ser sua forma. Seus morros parecem formar as bordas de uma bacia funda. Bem lá embaixo, 'no fundo', o que antes eram um rio onde muitos iam pescar, tornou-se um fio de dejetos e esgoto que ainda insiste em correr.


A área deste bairro perde-se de vista. Dizia meu pai na roda de conversas com os vizinhos que tudo aquilo era um conjunto de fazendas e sítios. Eu olhava a conta de luz ainda com o nome do antigo nome - parecia nome de libanês ou judeu. Em 1971 haviam muitos alemães, japoneses, libaneses, portugueses... Sabia que essa imigração tinha algo a ver com as fazendas que existiam antes do bairro... Na segunda década do século XX ninguém vivia ali. Ainda hoje há quem conte que vinham em grupos de outros lugares para pescar no mesmo rio que hoje está morto.


A 'roça' teve seu cenário modificado com a chegada de migrantes também. A área onde hoje está o Parque Santos Dias foi o primeiro lugar ocupado tornando-se a conhecida Cohab Adventista. De lá pra cá muita gente veio morar aqui. Ficaram os vestígios do que antes era apenas vegetação. Pode-se ver ainda muitas árvores e terrenos ocupados apenas por mato onde moradores jogam lixo e entulho. Os morros foram ocupados por casas.


O bairro que já foi conhecido como o lugar mais perigoso do mundo guarda na memória de quem nasceu ou mudou-se para cá ainda criança histórias que ficaram no tempo refletindo um contraste social onde duas realidades paralelas convivem desde sua origem. Mesmo assim, quem nasce aqui nasce marcado não só pelo racismo, mas também pela discriminação social. Pra quem é de fora, todo mundo que nasce aqui é marginal, criminoso, viciado e favelado. Em cursos superiores de ensino o conselho para quem mora no Capão  e quer fazer um Curriculum é não citar o nome do bairro, pois há empresas que já olham este detalhe e descartam qualquer possibilidade de contratação. 

Nascer no Capão abre duas opções de vida: ou entrar no sistema e tornar-se um cidadão ' de bem' ou se marginalizar. Nem todo mundo que adere ao sistema está escolhendo rejeitar a própria realidade e nem todos que seguem a vida marginal o faz por puro prazer. Há as áreas residenciais vizinhas de favelas... Brancos, amarelos e negros... A cor da pele difere um do outro, mas todos estão sujeitos as mesmas coisas, embora vivendo situações diferentes... Todo mundo no Capão conhece os dramas e alegrias de viver aqui, não importa de que lado da rua esteja vivendo.


O bairro inteiro teve várias ruas chamadas 2. O Conto da Rua 2 conta histórias de uma garota que assistiu as mudanças e acontecimentos no bairro à partir de 1971,especificamente em uma dessas ruas e de onde podia - com visão privilegiada - testemunhar muitos acontecimentos em torno do que hoje é o principal centro comercial do bairro. As histórias não são fictícias, mas os personagens são. Tudo foi sutilmente adaptado. Histórias que ouvi, que contam, que lembram e ficarão perpetuadas aqui.